segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O “Nu descendo a escada”, de Duchamp: o problema do fluxo na pintura.


A realidade é o que há. E o que há, há com fluxo. O devir é parte constituinte e inegável da realidade não só das coisas como também nossa. Portanto, ao se pretender falar da realidade, não como coisa em si, pois não há, mas como o que é, o que há e o que se dá e acontece, não podemos não podemos fazê-lo sem tratar do fluxo, do devir. Assim, depara-se a pintura com seu grande problema: como representar o fluxo da realidade? Como um suporte estático pode sustentar o devir de tudo?
O início da Renascença marca o início da preocupação com a realidade na pintura: os estudos de anatomia e da descoberta da perspectiva geométrica são os impulsionadores dos artistas neste sentido. Contudo, com todo esse ganho, a pintura não consegue captar o fluxo da realidade. Talvez o ganho da unidade (ou arquitetura) do quadro, como vemos em Rafael, empate mais ainda a representação do devir da natureza. Isso se mostra complicado quando de pensa na relação título e obra, ou seja: o que se diz representar e o que realmente está representado. Ora, na impossibilidade de pintar o fluxo, um quadro desta concepção nunca poderá ser chamado de “o nascimento do menino Jesus”, mas, no máximo, “o menino Jesus recém-nascido”, pois não temos de todo a representação de todo o processo do parto, mas apenas o resultado que se deu após este. E isto é o que se segue até o Impressionismo, por mais que Romantismo tenha dramaticidade e mais vigor na ação.
Por sua vez, o Impressionismo, ao eleger como seu único tema a luz, conseguirá algum avanço neste sentido: Montet, ao se preocupar em pintar a Catedral de Rouen em diferentes horas do dia, consegue, se nos debruçarmos sobre todo o conjunto, representar a mudança de luz, e, portanto, do tempo, sob e através da Catedral. Entretanto, tal feito só é possível se considerarmos todo o grupo de peças; e imagino que Monet não tenha pensado de forma diferente. No entanto, ainda assim, a representação do devir só é possível com várias pescas, e um único quadro é impotente em cumprir tal tarefa. Os demais impressionistas conseguem ganhar mais debilidade em relação ao Romantismo – Renoir e Degas, por exemplo.
No Pós-Impressionismo temos outro ganho nesta sentido: Van Gogh, por se turno, passa a pintar o vento, e talvez seja o único a fazê-lo. Assim temos um movimento mais dinâmico que acrescenta algo na representação do fluxo. A diferença entre Monetr e Van Gogh é que o primeiro representa o devir pelo tempo e o segundo pelo espaço – essas duas categorias tão complicadas na filosofia. Gauguin, Cézanne e Much são um atraso nesse tratamento. O movimento decadentista, a Art Nouveau mais ainda.
Com o modernismo ganhamos mais e, como veremos atingimos esse desejo. Mas o Fauvismo e o Expressionismo Alemão pouco têm que ver com isso. É através do Cubismo e do Futurismo, juntos, que temos uma expressão bem acabada da representação do fluxo. No entanto, é necessária ainda uma distinção.
É impossível abarcar toda a vida, toda a realidade, em uma obra de arte; por outro lado, também não se pode fugir absolutamente da natureza. Assim, qualquer realismo ou abstracionismo absolutos não são concebíveis. Para isso nos é muito cara a reflexão de Camus – a consideração desta em plenitude nunca se dera devido, justamente, ao devir: se a vida fosse estática, consideraríamos totalmente. Desta forma, a arte, toda e qualquer, só é possível enquanto recorte de vida.
Voltando às vanguardas, o Cubismo pouco ou nada tem que ver com o fluxo; antes, se preocupa em representar todas as facetas de um objeto: é a tentativa de demonstrar todas as perspectivas, o que se dá no Cubismo Analítico, nesta profunda relação com a fenomenologia husserliana no que diz respeito à composição de ontologias regionais, mas este é tema para outro local.
O Futurismo é a arte de vanguarda que trata do movimento par excelance. Contudo, pouco se vê de devir nas quadros de Giacomo Bala. É só na junção do Cubismo Analítico com o Futurismo que temos a expressão mais bem acabada do fluxo na pintura: o “Nu descendo a escada”, de Marcel Duchamp.
Duchamp, na referida obra, uma Cubismo Analítico e Futurismo – daí a divergência de opiniões – para compor uma perca que representa um corpo nu descendo uma escada. Primeiramente Duchamp elege um tema, ou seja, faz um recorte de vida, o que é puramente normal e foi feito por toda a tradição. O fato novo é que, dentro da eleição deste tema, ele representa o fluxo perfeitamente e de forma nunca dantes vista. Duchamp é anaílitico não com a coisa representada, mas com a ação que elege como tema de sua obra. Assim, não desdobra o corpo nu que pinta, mas a ação que esse corpo faz – pinta todos os estágios do “descer a escada”. É futurista enquanto elege o movimento com tema, mas ultrapassa o estático ao conseguir representar o fluxo, o devir da ação: e o faz ao pintar todos os movimentos de quem desce uma escada, de maneira seguida, não justaposta ou sobreposta; posta em seqüência, como realmente a ação acontece.
Duchamp faz o que se vê em um vídeo, no cinema. Contudo, a pintura é arte da fixidez: o que Duchamp faz é da natureza de toda a pintura, de toda a arte: eternizar o efêmero.

sábado, 5 de janeiro de 2008

O dia seguinte



O certo poderia ser ir deitar agora, porém, há ainda uma rememoração que persiste e que ia apenas derrocar em insônia, se o caso fosse seguir para a cama. Mesmo porque as semelhanças não só apenas nas acomodações, mas também nas sensações, no mínimo. Mas que é isso? Desta maneira já vai chegando ao final sem antes ter ao menos começado.

O fato é que não se consegue de fato dormir, haja vista o dia que, não atribulado, permanece ainda algo que pesado em uma cabeça cansada de várias coisas e que assim, vai recorrendo a algumas lembranças, algumas imagens; alguma tentativa de verbalização. E também fosse a situação em que não se conseguiria dormir sem um alterador de consciência, e talvez isto o seja. É bem verdade que se preferiria uma cerveja, mas essa não se tem. Então, passa-se a percorrer os dias ébrios vividos, a sós, em companhia, e nestes dividindo-se álcool, tabaco, cama. Também é fato que tanto os quartos como os quadros mudam e, assim, não se crê que se erra ao admirar apenas um, mesmo porque todas impressões externas acabam por se mesclar a este mesmo.
Aí se tem, portanto, um quarto denso, escuro, pequeno, mas suficiente para suportar tamanha situação, sim aqui não se vê sombra de outro suporte; é ele próprio, apresentando-se no que se faz necessário de sua apresentação, com essa mesa circular que demonstra-se ao canto esquerdo, quase que inteira e essa cama que poder ser para dois mas que agora acomoda apenas um belo corpo. À mesa, dois copos e duas garrafas, o que prova que tanto que tanto se bebeu em demasia como se bebeu em companhia. Na cama, apenas jaz um corpo, o que mostra que sempre se acaba sozinha. E, mesmo, como haveria de ser diferente? É muito tênue o que une duas pessoas, não dois corpos. Aqui, parece isso ter sido representado por duas garrafas de bebidas, e as ligações ébrias nem sempre são simpáticas. Nota-se ainda que um dos copos foi completamente esvaziado, enquanto o outro permanece ainda algo cheio. Ela não agüentou bebê-lo todo ao vê-lo partir depois do derradeiro gole? Ou ele não se preocupou em findar aquilo e tudo que lha restou foi apenas o último gole do copo que jaz vazio? Contudo, primeiramente, quem jaz é ela, flagrada por uma luz frontal, que tende levemente para a direita, a iluminar-lhe durante uma noite em que absolutamente não teve qualquer iluminação. Nem que seja porque esta não existe. A começar-se pelo que há de sombra, ela inicia-se d forma confusa e, talvez, isso seja o que lhe acarreta todo o resto de seu acaso. Confusamente vai subindo e delineando-se. Mas, às vezes alto, o delinear é bastante ambíguo. Mas há então duas formas de se referir, dois significados, e tem-se que optar por um nesta questão de lógica. Volte-se ao primeiro. Surge já então um joelho eriçado, em pé, que se mantém não se sabe como nem por que, assim como ela... Mais uma vez! Talvez seja inevitável... O outro se deixa cair, escondidamente arqueado, acabado, levado à tona, caído por terra. Segue-se então através de um vácuo sob o pano, as insinuações de suas coxas que outrora foram tão receptivas e que mesmo agora fossem, se tivesse chegado a situação para tanto. Chega-se então ao fim de uma saia que permanece hermeticamente fechada, iluminada a uma altura despudorada e que o seria, mas que agora tem com a luz uma fonte errada de êxtase e este apenas parta quem observa. E, antes de mais nada, quem observa? Seria o caso de um dos bebedores de um daqueles copos que, ainda esvaziado, que se vê duro enquanto a contempla? Ou o outro copo,desistindo já de tudo e mantendo-se apenas a fitar e perder-se ali onde talvez tenha querido estar. Ou teria mesmo e ainda assim deixa-se ficar no quarto, observando sem nem bem saber porquê, de forma que acaba apor afligir-lhe ainda mais? As constantes elucubrações vão se perdendo e se negando pelo caminho, enquanto se sua, sem saber direito se é por causa da bebida, por causa unicamente de si, dela. É preciso parar e voltar a ocupar-se inteiramente dela, mesmo que seja desta forma, e não de outra, maneira a qual, por algum motivo, foi rechaçada. Suba-se mais um pouco em direção ao corpo deitado, ou seja, vá-se mais para a direita. Uma frágil blusa se envolve num corpo que esconde o braço direito, jazido ao seu lado, e já agora sem função alguma, sem copo em mão ou qualquer coisa que lhe pudesse servir de ocupação. Mais uma vez uma frágil blusa branca, a envolver, mas não esconder absolutamente a parte superior do corpo. Brilhando ainda sob a mesma luz de sempre, cobre insinuantemente o seio esquerdo, que jaz relaxado e quiçá levemente excitado; desnudando parcialmente o seio direito, talvez sabiamente ocultando-lhe a parte mais suculenta. Descendo então numa fenda que quase permite adivinhar o ventre tão afagador e subindo novamente, despindo completamente o ombro direito e cobrindo ainda o esquerdo, ambos entregues talvez não só ao estado de sonolência, mas também a tudo que pudesse ou poderia vir e a tudo que ainda deseja. Um braço estatelado, algo ainda tenso, caindo e abandonando-se no além-cama. Ao fim, uma mão que segura algo imaginário, ou que anseia por ter algo consigo e mantendo-se assim fechada que é a melhor maneira de curar-se não se sabe de que doença. Subindo-se ainda mais, um rosto belo, calmo e abandonado. A boca carnuda e sensual tento ênfase no lábio superior. O nariz apenas sabiamente sugerido. Os olhos fechados, formando assim as pálpebras cerradas e as sobrancelhas fechadas arqueadas, um estranho círculo que dá uma incerta sensação de calma e movimento eterno que não leva a lugar algum. Uma testa limpa até que se desemboca em longos cabelos pretos. Cabelos pretos que se eriçam e se jogam ao longo da pequena extensão da cama que ocupam até se precipitarem em direção ao chão, como se quisessem responder que sim, que tudo caiu por terra, tudo ruiu, e mesmo esse “além” não é solução para coisa alguma, mesmo porque não há solução, chegando já a se confundir com as últimas sombras que se oferecem, perdendo-se no escuro, como só poderia ser. A cama, em ser principal, engorda-se talvez com a intenção de acomodar-lhe a apoiar-lhe um pouco que seja. Ou talvez seria o contrário? Ela mesma vai se esvaindo para não suportar semelhante fardo, que já tem dono? Ah, que quarto! Que quadro! Mas, como já foi dito anteriormente, tanto os quartos como os quadros mudam. Assim também o são as impressões e, talvez, estas mais que tudo. Se, ao contrário, tudo o que se devaneou não aconteceu absolutamente? Se foi tudo imaginação ébria de mente vazia de sentido e completa de álcool? Se, quem fala é o mesmo que olha? Então, este, notadamente, permaneceu. Mesmo, sim, ainda se pode confiar em tais devaneios. Mas, se quem ficou e observa apenas imaginou isso para passar o tempo enquanto mantém-se sentado, fitando-a, sem coragem de ir-se embora? E enfiou-lhe a mão esquerda dentro da branca blusa frágil e tocou o seio direito? E, cheio de desejo, ultrapassou a pesada saia e conseguiu por fim extasiar ambos e ela penas jaz, relaxada, descansada, ainda de pernas abertas, como se sentisse incapaz de fechá-las, por ainda sentir-se preenchida? Mas, por outro lado, se, contudo não conseguiu absolutamente nada? A invasão da mesma frágil blusa branca foi inútil? Se o levantar da perna e da saia foi impotente? Se, ao jogá-la na cama, ela simplesmente esqueceu da situação, de si, de tudo, e acabou por abandonar-se num estado de sonolência? E, por fim, se mantém-se ainda a observar obstinadamente, é porque ainda deseja e espera persistentemente algo, enquanto se ocupa com esses devaneios, essas imaginações, suposições, elucubrações. Ora, já se perde novamente sem conseguir retornar ao fio da meada. Talvez, além das relações ébrias não serem nem sempre simpáticas, elas sejam sempre confusas, de forma que se chega em absolutamente nada! Mesmo o caso fosse ir dormir. Mas também a isso não se decide, sem saber igualmente como viria a ser. Fato é que temporariamente já é dia seguinte e assim para ela, que se apagou. Contudo, a solução mesmo só venha quando for seguinte também para quem observa. Não que o dia seguinte venha trazer solução. Mas os devaneios não serão aceitos e, no colchão desfeito, todos algo refeitos, aos pleitos dê-se jeito.

Mulher sentada com a perna esquerda dobrada.



Talvez não se deva começar pelo óbvio. Por outro lado, isto pode ser uma forma de se tentar iniciar algo do qual não se sabe ainda o que exigir e o que conseguir. A complicação já surge no simples fato da escolha, ou mesmo antes, quando se decide querer escolher algo em detrimento de tentar seguir com todo o corpo da obra. Seria o caso de pegar uma particularidade e universalizar? Não, não se pode fazer isso. Absolutamente. Pegue-se isso e siga-se pensando apenas no que foi quisto como posto, e eis tudo. En avant!

Por que, então, dobrar uma perna? A justificativa está para si ou para outro? Logicamente, não se tem um modelo. Contudo, sendo então tal, como se portar? Deixar-se ir ou deixar-se ser guiado? Mas mesmo esses questionamentos não sejam cabíveis. Sejam unicamente desvios intencionais para tentar burlar um desejo íntimo que não se contém de tentar falar do que não tem um conhecimento total. E que desta forma o seja, por que, mais uma vez, a perna esquerda? É visto que este simples fato – ou ato – acaba por conceder o completo funcionamento do que se pretendeu. Enfim.
Um cenário sem precedentes, e isso é ótimo! Sem qualquer vestígios ou ecos do que foi passado ou do que será vindouro: apenas um vazio necessário para se portar de tal maneira. E que maneira! Entretanto, adiante-se em demasia. A crueza ocre embranquecida do próprio suporte, a inserir-se e insinuar-se timidamente e por vezes quase que se misturando a ela, de forma hora que completa, outras apenas não se terminando, ou antes, não tendo algo terminado em si. E não só a crueza como também a falta de toda e qualquer referência que pelo menos guie as tentativas de se conseguir algo, mínimo que seja, mesmo que não se saiba nem o que seja. É mesmo como se fosse uma falta de abertura, na medida em que isso é possível; algo como que uma total falta de permissão de invasão. Isso, e talvez seja absolutamente isso, pelo menos por hora. Mas o espaço não é tudo e a presença deste não é necessária para tentar compreender toda a situação tua. Voltar então. A perna novamente. Entretanto, antes, tem-se a outra, a direita. E mesmo seja melhor recomeçar por esta. Arqueada também, sim, contudo de maneira diferente, rente ao chão, quase que se esvaindo ligeiramente; descendo. Aberta vertiginosamente, interessantemente, mas talvez ainda não seja hora para tanto. Sobe-se algo pelo corpo, dirigindo-se e chegando a uma leve corcunda não natural, e sim por questão de situação. Uma corcunda esta que se deixa cair para qualquer algo ainda indefinido; mesmo incógnito e talvez isso sempre. Ah, quanta pretensão. Tensão. Isso sim com certeza há, e desta forma adianta-se também. Um braço frágil e longo ou longo e frágil, não é possível saber o que acarreta o que. Por vezes disforme e, mesmo assim, bastante seguro, nem que seja para qualquer insegurança que não quer demonstrar. Isso! Aí já se pode ter algo substancioso, contudo, não para o momento. Este mesmo caminho até chegar-se ao outro braço, que, contudo não se revela, mantendo-se oculto com talvez qualquer algo que lhe dê o suporte do qual parece se valer, mas que ainda não se revela. Então se sobe novamente, e desta vez incognitamente, para se chegar a um ombro misterioso que desemboca inevitavelmente na cabeça ainda não considerada, que se apóia naquela mesma velha perna esquerda dobrada e desta maneira chega-se ao início, sem saber se foi conseguido algo. Parece que a incerteza domina-a completamente e, também a quem a olha. Por vezes sinais tão claros de uma pouca torta forma de felicidade; por outras, uma apatia quase doentia que estanca, porém, sem estancar a si mesma, que continua sempre se emanando e esvaindo-se de forma peculiar. Terminando, portanto, num descer que finaliza em algo que não se completa e surtindo o mesmo efeito no observador, que fica impossibilitado de achar-se e concluir-se ante tal vazio deixado... E o que se resta é subir mais uma vez, a partir do infundamentável para o de mais concreto que, contudo, não se sabe onde apóia toda essa sua concretude. Não se furtar novamente e ir-se em direção a essa perna insinuante que tanto balança, por mais que esteja velada em uma tranqüilidade. E assim, num movimento arqueado, desemboca-se num pedaço de pano ocultador do de mais intrigante. Um pedaço de pano delineador e mais que sugestivo, que faz marcar tão natural e perturbadoramente o sexo. Sim, e a própria vagina se mostra insinuantemente, continuamente, tranqüilamente, a partir de uma ajuda superior, contudo sem epifania. De forma abrasadora, naturalmente, artificialmente, sem se conter, provocantemente... Um movimento simples (posto) que não se sabe entre o quisto e o não quisto, mas que acontece por qualquer motivo e que apenas acaba por aumentar ainda mais a observação tímida e sedenta de quem não consegue saber como se portar. Um erotismo inocente – quiçá virginal se é possível. E numa leve inclinação, a ligação superior ou posterior, o rosto abandonado e abandonando-se, que é logo o caminho seguinte da perturbação vaginal, sendo assim, não a sua resposta, talvez complemento, o que não resolve absolutamente a tensão gerada. Postado horizontalmente, a contrastar com a verticalidade do sexo, deixando-se perceber apenas a inteiricidade de uma das faces, enquanto a outra permanece, mais uma vez, em sigilo. Uma boca e uns olhos que se verticalizam da mesma maneira que o sexo, sem que com isso lhe seja atribuído valor de completude ou resolução, mais uma vez. A indefinição é a marca central e cabal. A perder-se fora de si, não se sabe onde, os olhos vêem também algo de indefinido. Por vezes o próprio observador que lhe dedica obstinada atenção; outras, furtando-se desse contato e esvaindo-se em qualquer outra direção à parte; constrangendo e mantendo em indefinição ainda mais quem lha dedica os pensamentos e acabando por assim definir essa mesma indefinição da qual é capaz e sente-se obrigada a efetuar. E por que não um ímã que tivesse na mesma face ambos os pólos, de forma que se atraia e repila? Por fim, uma postura inteira, opaca, fechada, chapada que escandaliza, acolhe, estorva o atencioso e sedento observador. Estorvo este que parece de toda e qualquer ação possível e imaginável e, assim, demonstrando-se que qualquer uma será mesmo digna e cabível – casamento ou pagamento. Uma apresentação que só consegue burlar a quantidade galopante de impressões. Uma impressão constrangedora e novamente acolhedora – por que não convidativa? – mesmo que não saiba a que convida, quem convida, se convidou. Uma impressão provocante, erótica, que, contudo não castra a retórica incessante e quiçá impotente. E mesmo que estorve em primeira ordem, é incapaz de burlar a maquinação quase que doentia de uma cabeça a trabalhar constantemente para defini-la e definir a si mesmo, mas sem que daí vá resultar alguma redenção. E mesmo as redenções estão findas, se é que já existiram. Ainda assim, uma mania, uma tara incessante por ela, por aquele mesmo óbvio, que é o que se tem, e só se pode tentar trabalhar com o que se tem. Isso. Uma tara incessante, intensa, que, por mais que se tenta, não consegue parar de considerar e imaginar, neste alto do que é compacto e do que se esvai. Um movimento parado, belo e sem pudor, ao qual sempre se tenta e tentou e que, indefinidamente, continuará até a situação final, em que a contemplação facial e vaginal seguirá até o desfecho vital ou catacumbal.